"A função do criador é examinar cuidadosamente os elementos que recebe, porquanto a actividade humana deve impor limites a si própria. Quanto mais a arte é dominada e trabalhada tanto mais é livre.
Quanto a mim, experimento uma espécie de terror quando, no momento de me pôr a trabalhar e de me encontrar perante uma imensidade de possibilidades que só me deparam, tenho a sensação de que tudo me é permitido. Se tudo me é permitido, o melhor e o pior, se nada me oferece resistência, então qualquer esforço é inconcebível e não posso usar nada como base e, consequentemente, todo o empreendimento se torna inútil.
Terei então de me perder neste abismo da liberdade? A que me deverei agarrar para escapar à tortura que toma conta de mim e perante a virtualidade desta infinidade? Todavia, não sucumbirei. Vencerei o meu terror e ficarei tranquilo com o pensamento de que tenho as sete notas da escala e os seus intervalos cromáticos à minha disposição, que acentos fortes e fracos estão ao meu alcance e que em todos estes eu possuo elementos sólidos e concretos que me oferecem um campo de experiência tão vasto como a infinidade perturbadora e estonteante que acabou de me assustar. É neste campo que lançarei as minhas raízes, inteiramente convencido de que as combinações que têm ao seu dispor doze sons em cada oitava e todas as variedades rítmicas possíveis me prometem riquezas que toda actividade do génio humano nunca esgotará.
O que me liberta da angústia em que uma liberdade sem peias me faz mergulhar é o facto de eu poder voltar sempre imediatamente às coisas concretas que estão aqui em discussão. Não tenho qualquer uso para uma liberdade teórica. Deixem-me algo finito, definido - matéria que se possa prestar à minha operação desde que seja comensurável com as minhas possibilidades. Tal matéria apresenta-se-me juntamente com as suas limitações. Devo por minha vez impor as minhas sobre a mesma. Assim, aqui estamos, quer queiramos ou não, no domínio da necessidade, e, no entanto, qual de nós jamais ouviu falar de arte que não seja como campo da liberdade? Esta espécie de heresia encontra-se uniformemente espalhada, porquanto se imagina que a arte está fora dos limites da actividade ordinária.
Bem, na arte, tal como em qualquer outra coisa, apenas se pode construir numa fundação resistente: seja o que for que ceda constantemente à pressão torna o movimento impossível.
Assim, a minha liberdade consiste em movimentar-me dentro da estreita moldura que atribuí a mim próprio, para cada um dos meus empreendimentos.
Irei ainda mais longe: a minha liberdade será tanto maior e mais significativa quanto mais estreitamente limitar o meu campo de acção e quanto mais me rodear de obstáculos. Seja o que for que diminua, a coacção diminui a força. Quantas mais limitações se impõem mais nos sentimos livres das cadeias que nos algemam o espírito.
À voz que me limita a criar eu respondo, primeiro, com susto; seguidamente, tranquilizo-me aceitando como armas aquelas coisas que participam na criação(...)"
Quanto a mim, experimento uma espécie de terror quando, no momento de me pôr a trabalhar e de me encontrar perante uma imensidade de possibilidades que só me deparam, tenho a sensação de que tudo me é permitido. Se tudo me é permitido, o melhor e o pior, se nada me oferece resistência, então qualquer esforço é inconcebível e não posso usar nada como base e, consequentemente, todo o empreendimento se torna inútil.
Terei então de me perder neste abismo da liberdade? A que me deverei agarrar para escapar à tortura que toma conta de mim e perante a virtualidade desta infinidade? Todavia, não sucumbirei. Vencerei o meu terror e ficarei tranquilo com o pensamento de que tenho as sete notas da escala e os seus intervalos cromáticos à minha disposição, que acentos fortes e fracos estão ao meu alcance e que em todos estes eu possuo elementos sólidos e concretos que me oferecem um campo de experiência tão vasto como a infinidade perturbadora e estonteante que acabou de me assustar. É neste campo que lançarei as minhas raízes, inteiramente convencido de que as combinações que têm ao seu dispor doze sons em cada oitava e todas as variedades rítmicas possíveis me prometem riquezas que toda actividade do génio humano nunca esgotará.
O que me liberta da angústia em que uma liberdade sem peias me faz mergulhar é o facto de eu poder voltar sempre imediatamente às coisas concretas que estão aqui em discussão. Não tenho qualquer uso para uma liberdade teórica. Deixem-me algo finito, definido - matéria que se possa prestar à minha operação desde que seja comensurável com as minhas possibilidades. Tal matéria apresenta-se-me juntamente com as suas limitações. Devo por minha vez impor as minhas sobre a mesma. Assim, aqui estamos, quer queiramos ou não, no domínio da necessidade, e, no entanto, qual de nós jamais ouviu falar de arte que não seja como campo da liberdade? Esta espécie de heresia encontra-se uniformemente espalhada, porquanto se imagina que a arte está fora dos limites da actividade ordinária.
Bem, na arte, tal como em qualquer outra coisa, apenas se pode construir numa fundação resistente: seja o que for que ceda constantemente à pressão torna o movimento impossível.
Assim, a minha liberdade consiste em movimentar-me dentro da estreita moldura que atribuí a mim próprio, para cada um dos meus empreendimentos.
Irei ainda mais longe: a minha liberdade será tanto maior e mais significativa quanto mais estreitamente limitar o meu campo de acção e quanto mais me rodear de obstáculos. Seja o que for que diminua, a coacção diminui a força. Quantas mais limitações se impõem mais nos sentimos livres das cadeias que nos algemam o espírito.
À voz que me limita a criar eu respondo, primeiro, com susto; seguidamente, tranquilizo-me aceitando como armas aquelas coisas que participam na criação(...)"
Igor Stravinsky, "Poetics of Music in the Form of Six Lessons"
diana dias
3 comentários:
A obra surge dos limites que são impostos á nossa liberdade criativa. O projecto surge da necessidade que alguém sentiu, do terreno, do contexto urbano, das escalas, de tantas outras condicionantes...nós damos o empurrão final.
Tal como o Professor Pernão não se cansa de nos recordar nas aulas, que angustiante seria ter que projectar algo num deserto absoluto!...
Inês Didelet
Sem dúvida, Stravinsky deixa-nos esperança para a criação...Como em tudo, depende do indivíduo e do seu lugar (o que tem e o que pretende ter) na sua janela espacial-temporal. A nossa profissão é um modo de vida...vamos vivê-la então com a convicção que somos dotados de capacidades para actuar livremente (aqui, sinónimo de responsávelmente) e marcar territórios, edifícios,e mais importante, pessoas.
Eliana Barreto
A criatividade humana debate-se sempre num "Jogo de Possíveis" (François Jacob-Le Jeux des Possibles). Somos incapazes de informar o acto criativo de algo que não conhecemos- Os extraterrestres, exemplo dado por Jacob como terreno onde nos podíamos soltar do que conhecemos, ou só têm um olho , ou têm 4, ou não têm nenhum, mas a nossa referência é a mesma - olhos).
Mas as condicionantes do Projecto (local, programa, tempo para o executar) conjugando-se com todas as ideossincrasias pessoais e oportunidades únicas da nossa envolvente social, ecomómica e profissional em cada momento, transformam cada caso num caso único.
Temos que saber aproveitar, e usufruir com emoção cada nova circunstância e desafio da nossa vida profissional.
João Pernão
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