Jorge Luis Borges nasceu a 24 de agosto de 1899 na Rua Tucumán de Buenos Aires, e foi criado no Bairro de Palermo: "num jardim, por trás de uma grade com lanças, e numa biblioteca de ilimitados livros ingleses." Este espaço limitado de uma biblioteca e o infinito universo dos livros foi o embrião que permitiu a Borges encarar mais tarde "o paradoxo de um sedentário sem pátria intelectual, de um aventureiro imóvel que se sente à vontade em várias civilizações e em várias literaturas...". Borges pertence, sem dúvida, ao grupo de escritores que desde tenra idade tiveram a certeza de que os seus destinos iriam ser literários. Em 1914, o pai reforma-se e decide viajar pela Europa com a família. Instalam-se em Genebra onde Borges inicia o bacharelato. Depois de passar um ano em Lugano, transferem-se para Espanha em 1919. Vivem em Maiorca, passam por Sevilha - aí entra em contacto com o ultraísmo e colabora nas suas revistas - e a seguir transferem-se para Madrid. Regressam a Buenos Aires em 1921, e Borges passa a ter um papel activo na vida cultural argentina: participa na fundação das revistas Prisma e Proa e colabora em Nosotros. Em 1923, depois de publicar o seu primeiro livro (Fervor de Buenos Aires) viaja novamente para a Europa e regressa em 1924. Lança pela segunda vez a revista Proa com Ricardo Güiraldes e outros amigos e colabora com Martín Fierro. A partir de então Borges terá um papel destacado na vida cultural de Buenos Aires escrevendo ensaios, e recensões de livros e filmes; e através dos seus livros que, pouco a pouco, irão afirmar um estilo que com o tempo se tornaria inconfundível. Borges - para quem a vida é "assombro contínuo, uma contínua bifurcação do labirinto" - não só é um grande poeta (Caderno San Martín, El otro, el mismo, os poemas de El hacedor, etc.) e um verdadeiro mestre do conto, mas também um dos mais argutos e originais ensaístas do nosso tempo, sem esquecer a sua actividade de tradutor e antologista. Com Discusíon e Otras inquisiciones, para mencionar apenas duas das suas obras essenciais, Borges tornou-se indiscutivelmente um meste do ensaio breve. As suas narrativas fantásticas - Ficciones, El Aleph, etc. são verdadeiras arquitecturas verbais que, tal como os seus ensaios, "se nutrem da metafísica e da teologia." Borges move-se com a mesma naturalidade entre a simplicidade mais imediata e mais inabitual estranheza. O tempo, o "eu e o outro", o sonho, o infinito, etc., são temas que em Borges se tornam transparências em que vislubramos desde o mais insólito até ao mais imediato e corrente da realidade. Borges praticou com maestria o pouco frequente dom da ironia, que não é mais que uma das faces do seu cepticismo e lucidez. As suas personagens possuem com frequência a marca indelével da solidão e da monstruosidade: labirintos que se erguem dentro de cada homem, caminhos que se bifurcam. Borges apenas conhecerá a fama internacional em 1961, ano em que lhe é concedido o Prémio Formentor, que compartilha com Samuel Beckett. A partir de então, são inúmeros os prémios, distinções e homenagens. Foi director da Biblioteca Nacional de Buenos Aires de 1955 a 1973. Morre em Genebra a 14 de Junho de 1986 com oitenta e seis anos de idade. Das suas Obras Completas publicadas num volume em 1974, disse Borges: "O meu primeiro livro data de 1923; as minhas Obras Completas, agora, reúnem o trabalho de meio século. Não sei que mérito terão, mas agrada-me verificar a variedade dos temas que abrangem. A pátria, as aventuras dos antepassados, as literaturas que honram as línguas dos homens, as filosofias em que tentei penetrar, os crepúsculos, os ócios, as desvairadas periferias da minha cidade, a minha cidade, a minha estranha vida cuja possível justificação está nestas páginas, os sonhos esquecidos e recuperados, o tempo... A prosa convive com o verso: porventura, para a imaginação ambas serão iguais. Felizmente, não somos devedores de uma única tradição; não podemos aspirar a todas. As minhas limitações pessoais e a minha curiosidade deixam aqui o seu testemunho."
Texto retirado de Obras Completas de Jorge Luis Borges Círculo de Leitores , Lisboa, Julho de 1998
Eliana Barreto
3 comentários:
Há de facto escritores que constroem espaços essenciais nas nossas mentes. Estas "moradas" (ver a definição do Levinas) são espaços que nos preparam para o mundo e para o acto de projectar.
Inês Didelet
Ao ler este texto, lembro-me logo de uma frase que ouvimos muitas vezes nas aulas que é “sem luz não há espaço”.
A personagem só sabe onde está, quando pontualmente, a uma determinada hora, abre-se o alçapão e entra a luz, quando deixa de haver sombra.
É um texto interessante, que nos leva a pensar nesta dualidade de Claro/Escuro, Luz/Sombra e como na arquitectura é importante o jogo destes elementos, porque eles dão forma ao espaço.
Sara Moura de Gouveia
O espaço existe sempre, mesmo sem luz. Mas é informe, não é uma entidade visível, não informa nem se compara com as nossas memórias de imagens. Por isso sem luz existe caos porque o que nos rodeia não tem forma- daí o ancestral receio do escuro. No Génesis existe o Caos antes de se fazer luz e depois tudo se organiza.
A luz em Borges é seminal, tanto mais que as suas memórias se tornam tanto mais obcessivas quanto mais a cegueira o atormenta a partir dos anos 50.
Tanto quanto os espelhos que Borges vê como outra realidade, mas isso fica para depois...
João Pernão
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